Samstag, August 25, 2007

Eduardo Prado Coelho 1944-2007

0.197


O nome dizia-me qualquer coisa quando o comecei a ler diariamente nas páginas do Público, por certo por causa do pai, Jacinto do Prado Coelho, organizador do Pessoa lá de casa (e do resto das casas daquela época). Foi aí que o li durante anos, tendo a tinta de papel de jornal nas mãos como marca do efémero como horizonte dessa leitura. Foi dessa maneira que o fui conhecendo, as manias, os gostos, as predilecções.
Já na faculdade tinha como uma verdadeira aula de sábado os textos do gato negro que publicava no extinto Mil Folhas, e através dos quais tanto me passou, tanto me fez pensar e ir à procura, pensando com outros que, regra geral, não se ensinam na pobre Academia lusa. Um dos mais memoráveis (mas foram tantos...) foi um texto (foto ao alto) que me lançou na leitura de Michel Foucault e Maurice Blanchot, hoje referências incontornáveis na minha mesa de trabalho, e que potenciaria a radical influência que os meus instrumentos de pensamento devem a essa geração francesa da segunda metade do séc. XX. Nessa época comecei a lê-lo em livro também, principalmente as teorias duras dos anos 80 e alguns dos anos 90 e, mesmo aí, nunca deixou de ser aquilo que a ele já me prendia nos textos do jornal: um guia, um farol, aberturas de portas e janelas por onde se devia ir para pensar mais além, muitos vezes, percebi-o depois, ao limite; isto é, nunca deixou de ser um professor, embora sem o saber. Óptimo exemplo disso foi a minha leitura de José Gil (meu actual orientador de tese) propiciada pela sua recensão A Sombra Branca (in O Cálculo das Sombras, pp. 166-176).
A última vez que o vi foi na Culturgest em que partilhamos a mesma fila numa extraordinária encenação a partir de textos de Foucault. Tempos antes, numa soirée de lançamento de um livro, contava a um (ex-)professor meu toda esta influência subtil, pequenos indícios que Prado Coelho me tinha deixado, o qual se disponibilizou de imediato para mo apresentar dizendo que ele gostaria de saber. Não quis. Hoje senti um laivo de arrependimento dessa decisão espontânea, sabia-me bem ter-lhe dito obrigado.
No entanto, são as suas próprias palavras que dão o mote àquilo que de mais importante nos deixou, um exercício incorruptível do pensamento e uma sensibilidade para compreender que as filiações primevas perfazem os nós que nos constituem e nos impelem a pensar: "Por maior que seja a racionalidade com que ouvimos e pensamos os argumentos dos que vieram depois, aqueles que nos acompanharam no momento de começar a pensar têm connosco uma cumplicidade indestrutível. Nunca deixarei de ouvir a frase de Rimbaud ("precisamos de ser absolutamente modernos") com uma secreta emoção: foi aí que comecei a pensar, foi aí que comecei a lutar, aí comecei a escrever e a viver."