Donnerstag, Juli 20, 2006

parênteses: transferências psicóticas

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"Em tempos de, como Heidegger diz, ausência-de-pensamento, é reconfortante encontrar de súbito alguém, ainda por cima num meio especialmente vocacionado para a ausência-de-pensamento como a TV, a interrogar-se em voz alta e a falar de beleza, alegria, serenidade, amor, humor, a propósito de coisas perplexas e surpreendentes como partículas e leis físicas, vida e morte, o «Andante sostenuto» da sonata D 960 de Schubert por Radu Lupu e os «Corvos» de Van Gogh, biologia e neurobiologia, acaso e necessidade...
E descobrir seres humanos como nós (Jane Goodall, Steven Weinberg, Ed Witten, Yehudi Menuhin, George Steiner, Ashkenazy, Coetzee, Appel, Stephen Jay Gould, Germaine Greer...), que, por momentos, nos devolvem a esperança: talvez afinal, quem sabe?, não sejamos inteiramente miseráveis.
O programa chama-se «Of beauty and consolation» e passa a horas mortas na SIC, quando a Direcção de Programas não tem mais nada para pôr no ar, antes das televendas e entre anúncios de cervejas, de toques de telemóveis e de astrólogos. Mas muitas grandes descobertas, como dizia ontem Leon Lederman, fazem-se «às três da manhã, e por acaso»...E(privilégios da insónia) as noites de alguns «happy few» tornam-se melhores que os dias de quase toda a gente."

[Manuel António Pina, Beleza e consolação, na sua coluna do JN, Por outras palavras - 19.07.06. Os sublinhados são da minha responsabilidade.]