Sonntag, September 24, 2006

passa-tempos: Mnemónica Dialogada (e não, não tive que surripiar ninguém)

0.135

à J., ao P. e ao Z.

Ontem fui à Casa da Música receber uma prenda. Concedi o atraso porque a coisa vinha de longe.
35 anos depois de Crystal Silence e 10 depois da última gravação, Chick Corea e Gary Burton voltam a encontrar-se à esquina. À esquina da história do jazz, do qual esta tournée é, justamente, uma celebração, e da qual deverá sair um novo disco. Um diálogo que se interrompe, a espaços, mas que fervilha a partir do interior. A noite clamava por um exemplo assim tão contundente.

Senhores de estilos inconfundíveis e carreiras que não vou mencionar picos nem declives, vieram principalmente dispostos, disponíveis para uma jazz chat acompanhada de bom humor (expansivo no caso de Chick, contido em Gary) e muita, muita história e sabedoria que os faz uns autênticos jazzmens. No sentido em que um verdadeiro jazzmen é aquele que se disponibiliza a ouvir o outro, a dar-lhe espaço e segui-lo desde logo, ainda não sabendo onde vão dar. Não, não foi um concerto de grandes rasgos, improvisações radiosas, não foi para isso que vieram. Foi uma noite de rememoração a dois, podia-se ler nos olhares entrecuzados "Remember that?", seguido de um sorriso, uma noite aveludada pela ligeireza do que passou, do que passaram (desde a composição tão velha como o primeiro encontro, Crystal Silence, com novo arranjo - the banana rhythm -, até um "flamenco" à la Chick composto a semana passada no hotel aquando dos primeiros concertos da digressão no Hawaii - Hawaiian Alegoria).

Ainda assim, foi um acontecimento com a ambição de conjugar passado e futuro, a que se volta a alguns amores comuns (a homenagem a Bud Powell, por exemplo, mas também Following the Grace de Steve Swallow), mas, principalmente se retoma uma conversa, que é essencialmente uma conversa com o tempo, com o jazz, e com o que eles fazem dele. Pareceu-me pois, um concerto marcado, indelevelmente, pela maturidade dos protagonistas, pela leveza e segurança face à mudança e, acima de tudo, pelo prazer de estarem juntos. De novo. Para mais uma conversa.

E tudo isto reafirmado como um prazer que só podemos ter às vezes, sem seguro, um diálogo para sempre inacabado. Como quem desvenda um segredo - Crystal Silence. Como quem abre uma prenda - Native Sense.