eu não acredito, mas que eles existem lá isso
0.144
[...]Mas vejamos como é que Coffin se tornou um leitor fantasma ("ghost-reader") profissional: "Em 1992, eu estava em Las Vegas para ajudar um famoso jogador de bacará a escrever o seu diário. Uma manhã, saindo da piscina, encontrei um antigo colega de faculdade, agora professor numa universidade da Carolina do Sul, que no dia seguinte voava para Idaho, onde ia fazer uma conferência sobre o escritor francês Georges Perec. O meu amigo estava com um «pequeno problema». Pretendia «fazer uma referência» a Cantatrix Sopranica L. et Autres Écrits Scientifiques, livro de Perec que fora publicado em França no ano anterior. Mas não o tinha lido. Na verdade, como descobri depois, interessava-lhe particularmente um texto coligido nesse livro, "Roussel et Venise. Esquisse d'une géographie mélancolique", mas que Perec tinha já publicado muitos anos antes, com Harry Mathews. Pareceu-me que isso tornava a ignorância do conferencista menos desculpável. Mas como eu tinha lido o livro há apenas dois meses e o tinha ainda bem presente na memória, em poucos minutos lhe fiz um resumo oral do respectivo conteúdo. Ao fim da tarde, à hora combinada com o jogador de bacará para «escrevermos» o seu diário, eu tinha concluído uma coisa - acabara de retomar uma vocação quase esquecida - e decidido outra - tornar-me-ia um leitor fantasma profissional" (pp. 222-223).
[...]
ele há jornalistas e pivots televisivos sem tempo para «prepararem» entrevistas com escritores famosos; ele há cronistas, opinion makers e até mesmo críticos que ambicionam "fazer referências e citações mais oportunas e convenientes", mas estão demasiado ocupados com "outras coisas" para poderem adquiri-las por via mais canónica; ele há escritores "mediáticos" e prolíficos, editores, estudantes e professores "sem tempo para leituras"; ele há simples anónimos mundanos que não pretendem mais do que "manter uma conversa que presumem culta".[...]
Mário Santos, "Sarcasmos múltiplos" in Público/Mil Folhas 13 Out 06
<< Home