Mittwoch, November 30, 2005

00.12.
Pois é, estou atónito. Eu até diria estupefacto mas não vamos entrar em poesias, mesmo que seja disso que se trata.
Cheguei a casa e o Pessoa tinha ido á televisão. Imaginem lá, logo ele, tão dado, a brincar como fez com o Régio a dizer que afinal não tinha vindo, mas tinha vindo o Álvaro de Campos por ele...
Ao que me apercebi - e digamos que ainda estive um bom bocado a pensar o que se passava comigo - a honraria era de que esta noite Pessoa (a obra, claro está - meu deus como eles o tratam...) passava para o domínio público. Ou seja, a partir de agora, outra vez sete cães a um osso (ou vários se levarmos a heteronímia a sério), toda a gente pode ganhar uns trocos com o Fernandito.
E então lá juntaram uns especialistas, uns mais outros menos, todos devedores do grande mestre, muito bem, e discutiu-se poesia. Na televisão, hélas, espantem-se os mais incautos.

Isto passou-se, sensivelmente, até às 01.45 na RTP1.
(se tiverem prova em contrário avisem-me que já tenho um n.º de um psicanalista. pessoano, pois)

Lia outro dia, por estas paragens, que a televisão pública às vezes engana-se, e faz mesmo serviço público. Mas pensei que era como a história do Pilhão.
Tenham cuidado, as pessoas andam aí. Ou os.

[Vou ler a Tabacaria, fumar um cigarro - acompanhá-lo na epochê nicotinológica - deixar-me andar pelo Desassossego e acabar com a Liberdade. Apetece-me.]

Montag, November 28, 2005

00.11.
"Car à la verité pour s'apprivoiser à la mort, je trouve qu'il n'y a que de s'en avoisiner."

(voltarei a isto, mais cedo ou mais tarde)

[Montaigne, Essai II, 6 ]

Samstag, November 26, 2005

00.10.
A anatomia do movimento.
A chuva que lava a manhã,
quase religiosamente.
O espaço e o corpo,
diferenças de escala. Ou de visão.
O osso do espiríto e o espelho reticular.

O lugar do que nunca aconteceu,
do que jamais acontecerá.

[ Ámen,
para quem duvide da carnalidade do pensamento,
e precise de metáforas, para tocar ]

Freitag, November 25, 2005

00.9.
É já recorrente. Aquelas páginas acompanham-me à muito, silenciosamente, parece-me que desde sempre. Ontem impelia-me essa força mútua, cúmplice que nestas linhas ondulam.
Passo a citar, então, um dos passos deste andamento:

"Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo."

[in Herberto Helder, "Teoria das Cores", Os Passos em Volta ]

Montag, November 21, 2005

00.8.
A decadência é uma coisa que se serve com duas pedras de gelo e umas gotas de limão. Batida, mas não mexida.
O corpo desperta com um nível de acidez superior, mas passa. Como tudo, pois claro. Na supurosa sonolência do anoitecer.

Dienstag, November 15, 2005

00.7.
A introspecção é uma endoscopia espiritual, medecina especular, tiro na ponta do pé.

Mittwoch, November 09, 2005

00.6.
"La vie va vite", disse-me ele. Acho que foi a primeira vez que me falou fora do diálogo mestre-discípulo. A candura das palavras era a tónica da longevidade do que me passava. Talvez nunca me tenha ensinado tanto.
Despedimo-nos. Prometi-lhe fazer uma visita. Ele ainda queria ver Lisboa sob a luz do dia. De mais um dia. "La vie va vite" .